PARTE 06
A COLEIRA RUBRA
Era realmente apavorante, não sabia dizer como, simplesmente de uma hora para outra eu e o maldito elfo estávamos correndo desesperados pela câmara subterrânea enquanto a dragoa nos perseguia sem dar trégua.
- ROOOAAAAARRRRR!!!!!!
A dragoa parecia um verdadeiro monstro, não parecia possuir consciência, orgulho, inteligência ou qualquer outro caractere de um dragão normal, ela só estava em uma fúria insana, cuspindo chamas para todo canto, esbarrando em tudo e seus olhos estavam como que magicamente tomados por uma ira rubra que só podia ser vista nos olhares dos servos do deus da guerra. Eu, um humilde halfling, clérigo de Tanna-toh, sem grandes poderes e apelidado de Bolofofo só podia correr sem parar. Antony não ria ou gritava, apenas permanecia sério correndo, como se pensasse em mais um plano sem noção. Ouvimos som de sucção de ar, a dragoa preparava seu golpe letal, e como esperado, soprou um cone flamejante medonho que cobriu toda a área derretendo muitas moedas de ouro e minha esperança de sair vivo, só havia um jeito de escapar. Parei instantaneamente e ergui uma pena de escrever, um dos símbolos da Deusa do Conhecimento, a quem sirvo.
- Tanna-toh, proteja-nos do incêndio assim como o faz com vossos livros!!!!
E nesse instante uma aura pareceu envolver a mim e Antony, exato momento em que o cone de fogo nos atingiu. Um poder indescritível, devo salientar, pois apesar de minha magia sagrada nos proteger, ainda sentíamos um calor terrível que fazia parecer que a qualquer momento entraríamos em combustão. Mas passou, e saímos ilesos. Assim me joguei dentro de um monte de jóias enquanto Antony ainda corria da dragoa que usava de suas garras para atacá-lo tentando empalá-lo. Nessa hora percebi… ela estava acorrentada e algemada, presa a uma placa de ferro na parede, extremamente poderosa, e por isso ainda não havíamos morrido. Antony então sorriu, criara um plano.
Com sua perícia acrobática swashbuckler, pulou na parede e com os dois pés deu um impulso jogando-se para cima, girando no ar até cair sobre a cabeça da dragoa e agarrar-se aos chifres dela. Arremessou o pergaminho a mim e começou a bradar.
- Acalme-se, senhorita! Antonywillians veio lhe salvar! Sou o espadachim encarregado de lhe unir com seu filho Dranarios!
Ao ouvir o nome do filho, a dragoa debateu-se de forma tão abrupta que arremessou o elfo contra uma estalactite que se partiu causando uma boa dor ao elfo. Em seguida, ela rugiu de forma tão alta e pavorosa que senti que meu coração ia saltar pela minha boca e correr mais que trobo com prisão de ventre. Nesse momento, mal consegui olhar em seus olhos, mas reparei que enquanto sugava o ar, lágrimas brilhantes passavam furtivas até caírem ao chão derretendo-o. A dragoa chorava ao ouvir o som do nome de seu filho, mas por algum motivo não parava de atacar. Logo cuspia mais chamas sobre Antony, e estava muito tarde para ajudá-lo. No fim, ele me surpreendeu (Nota: como de costume...): Simplesmente se levantou e abriu os braços gritando:
- Queime-me e nunca sairá desse covil de torturas!!!!!!
As chamas pegaram-no em cheio, ele logo sumiu nas brasas. Eu não acreditava naquilo, que elfo louco! Bom, para mim, pareceu que a história acabou… isso é, até que as chamas passaram e Antony permanecia em pé, meio torrado, como se tivesse encostado em panela quente, e com a roupa chamuscada. A resposta era uma rosa entre seus dedos da mão direita, eu já a tinha visto uma vez, é a Rosa das Chamas, técnica antiga do Clã das Rosas. A rosa absorveu todas as chamas que contra ele foram lançadas, ele só se queimou um pouco por que o calor superaquecido fora inevitável ante àquele poder. Em seguida o elfo pega a rosa e corre em direção à dragoa que suga mais ar para um novo golpe. O elfo apenas sorriu.
- Heh! Pretensiosa! ZOOLK, PROTEJA-ME!
Assim que falou isso veio a baforada flamejante em sua direção, mas sua carta na manga havia sido retirada, pegando a rosa que absorveu as chamas, jogou-a em direção ao cone de fogo, fazendo com que a rosa entrasse em combustão e liberasse as chamas que entraram em choque com a baforada, causando uma explosão de poder dobrado que esvoaçou brutamente sua capa vermelha, e se não fosse por mim, que lancei de longe minha magia de proteção contra o fogo novamente assim que me evocou, teria derretido até os ossos pelo calor. O elfo aproveitou a oportunidade e usou mais uma habilidade sua, dando um salto duas vezes maior que de um humano normal, dando para se agarrar aos chifres da dragoa que se debatia novamente. Ela jogou a cabeça para trás e ele foi arremessado em suas costas, aonde agarrou em uma coleira de couro vermelho incrustada de diamantes.
Por algum motivo a dragoa se debateu, cada vez mais enlouquecida, quando ele tocou a coleira, e agora chegava a rugir como se gritasse de dor. Os engenhos em minha mente mexeram-se e enfim entendi tudo, só precisava comprovar.
- Senhor Willians, veja se há alguma corrente na coleira!!!!
O elfo, após quase ser arremessado novamente, examinou e respondeu.
- Não! Nem sinal!
- Então crave seu sabre no pescoço dela!
Antony não entendeu, mas não era tolo de contradizer um clérigo da Deusa da Inteligência. Desembainhou o sabre mágico que conseguira na câmara, ergueu sobre a cabeça e...
- POR DRANARIOS!!!!!
A dragoa pareceu recear ante ao nome, tempo suficiente para a lamina atingir a coleira em seu pescoço. Como calculado, a coleira era um artefato mágico sobre o qual eu havia lido quando ainda nem pensava em conhecer Antony. Ela é muito usada no Reino de Sckharshantallas, pois é o mais fácil objeto de se criar para controlar criaturas mágicas poderosas como dragões, mas elas só funcionam quando um dragão aceita-a ou é colocada em um que esteja inconsciente. Assim ela toma controle total do monstro programando-o para certa tarefa. Uma lâmina normal não afetaria a coleira, mas uma feita por um mago poderoso a cortaria como couro, e assim Antony o fez, mas eu não havia previsto algo, na coleira havia uma armadilha… Quando foi partida, expeliu instantaneamente faíscas e se contorceu pelo pescoço da dragoa como uma serpente de chamas que chicoteou o rosto de Antony e enrolou em seu braço, de forma que ardia tanto que o elfo caiu das costas da dragoa e se debatia urrando de dor enquanto sua pele borbulhava e soltava uma fumaça fedorenta. Após queimar-lhe o braço todo, a coleira voltava como uma serpente, ao pescoço da dragoa. Saltei do monte de moedas e ergui a mão para o teto sobre a dragoa e a coleira que já subia pelas pernas dela.
- Tanna-toh, dê-me um fluxo de água!
Nesse momento houve um milagre, e das estalactites no teto verteu água abundante como uma cachoeira, molhando os alvos abaixo, e apagando as chamas da coleira, a qual agarrei e joguei em um monte de moedas que se espalharam em estrondo. Peguei o sabre de Antony e enterrei no artefato fazendo se partir e dissipar-se em faíscas mágicas. A dragoa desabou no chão inconsciente, e Antony estava se contorcendo em agonia. Me aproximei dele e orei por sua cura.
Passado algum tempo, Antony já estava parcialmente curado, mas o dano pela coleira fora grave demais, ainda estava a cicatriz da chicotada em seu rosto e de quando ela prendeu em seu braço, pelo menos não ardia. Assim que entregava a ele seu sabre mágico novo, a dragoa acordara soltando um vapor condensado e superaquecido pelas narinas, o elfo e eu já nos preparávamos para o pior, mas assim que se levantou ela não possuía mais olhos de ira e expelia orgulho, ainda que acorrentada pelas patas e asas. Por um momento ela nos estranhou e apenas ficou nos observando, criei coragem, ajoelhei-me como se fizesse ante um rei, ou até um Deus (me senti compelido a isso!) e disse:
- Senhora, sou Zoolk, servo da Deusa do Conhecimento e Raciocínio, esse ao meu lado é o espadachim elfo Antonywillians! Nós a libertamos da coleira rubra que controlava sua mente, e desejamos levá-la ao seu filho Dranarios!
A dragoa nada respondeu, apenas nos observou por um momento até que resolveu falar algo.
- Levante-se, pequenino! Se me salvaram dessa prisão de torturas, eu que devo me ajoelhar perante vós! – a voz da dragoa ecoava majestosa por todos os cantos – Sou Risisttlaxy, a mãe de Dranarios! Mas infelizmente foi demasiada ousadia realizar esse ato, mamíferos! Sou condenada em nome do bem estar de meu filho, e fazerem o que fizeram é ir contra Sckhar! Ir contra seu governo é como morrer, nem eu mesma chego às patas do regente! Perdoe-me, mas sair daqui é seguir para a morte! Partam e me deixem...
- NUNCA! – Antony bradou, e por segundos, por ferir o orgulho da dragoa pela falta de temor a imagem dela, eu pensei que ela fosse nos devorar – Dei minha palavra a Dranarios que a salvaria! Ele passou anos como um ser inferior, sendo pisado, buscando alguém para salvá-la! E desejo sua ajuda para tentar derrubar Sckhar, encontrando o Suplicio Draconinico!
- Dragônico… - eu corrigi.
- Que seja! Então, senhorita, como já destruímos a fortaleza, desafiamos Sckhar e estamos sendo condenados a morte, não vejo por que não pegar um ar puro e rever seu filho! Por favor, liberte-se das correntes!
Ela observou-o por instantes, e pensei que fosse negar ainda, mas em resposta apenas movimentou os pés com um pouco de força destroçando as correntes das algemas.
- Gostei de sua bravura, elfo! Irei ajudá-lo, pois mesmo que venhamos a morrer, desejo rever meu filhote que aquele tirano de Logus separou de mim!
Em seguida o corpo da dragoa se imbuiu de chamas e ela desapareceu em brasas que, ao dissiparem-se, revelaram uma elfa, alta, bela, de meia idade, trajando um vestido belíssimo com véus brancos e detalhes em lava rubi. Ela jogou pro lado seus cabelos louros sedosos.
- É… que saudades dessa forma! Bom, vamos assim, pois acho difícil eu passar por esse túnel com todo aquele corpo!
Eu e Antony ficamos pasmos com a beleza inatingível da dragoa em forma élfica, ainda que estivesse com cicatrizes e cortes pelo corpo, nada parecia poder macular a dragoa.
Assim que estavam já nos últimos degraus, começamos a ouvir a barulheira do forte em caos. Nesse momento corremos para fora do túnel e nos deparamos com algo que só podia ser obra de Nimb, Deus da Loucura e do Caos, simplesmente todos os guerreiros do forte gritavam correndo para todos os lados, desesperados. Uns se escondiam, outros fugiam e outros tentavam atacar um jovem dragão que disparava chamas ao acaso derrubando torres de vigília e torrando os incautos infortúnios que estavam no campo de mira. Algumas catapultas foram disparadas e pedras voaram em direção ao dragão que desviava com facilidade, e soprando chamas, fazia-as parecerem meteoros quando caiam causando um estrago pior. A fortaleza estava em chamas, coberta de cinzas, envolvida por uma densa cortina de fumaça negra e recheada de corpos de soldados. Eu e Antony ficamos pasmos, afinal havíamos esquecido do poder de um dragão como Dranarios. De repente uma seta gigante disparada de uma balestra ia acertar o príncipe dragão que a percebera muito tarde, mas neste momento Risisttlaxy ergueu um braço e bradou:
- Dracomanus Gigastlyxs! – e de sua mão disparou uma rajada de fogo que mais parecia um tornado flamejante que envolveu a seta e a desintegrou tamanho poder gasto. Ao fim virou-se para mim e Antony – Vou ajudar meu filho! Tenho que me vingar desses humanos podres!
Nesse momento já sabia o que viria a seguir, então puxei Antony para longe, pois o chão cedeu ante ao calor quando uma coluna de fogo saiu do corpo da dama élfica transformando-a em uma dragoa do tamanho de uma torre de vigia em pé, de forma que ao abrir as asas, uma ventania soprou apagando vários focos de incêndio e jogando vários soldados longe. A presença da dragoa nos céus da fortaleza foi o suficiente para aumentar ainda mais o tumulto. Com a visão da majestade onipotente de seu corpo e ante a tanto poder, muitos soldados sucumbiram ante a simples visão dela, tendo ataques cardíacos instantâneos, Dranarios, em meio ao ar, ao ver sua mãe pareceu se inspirar mais na batalha. Cuspiam fogo como monstros que eram, mas matavam com a graça que tinham. Dranarios mordia, cortava e perfurava, a mãe lutava de forma que cheguei a ficar sem fôlego, cuspindo chamas que derretiam instantaneamente as torres e muralhas, disparando magias pelas garras de forma a aumentar o incêndio ou torturar os oponentes, atacava com a cauda que derrubava vários andares da fortaleza, e ainda criava poderosas lufadas de vento que varriam as ameias das muralhas. Em poucos minutos, não havia mais os soldados do forte, apenas corpos. A maioria perecera, e a minoria escapara pelo portão de saída, antes de o teto ceder e desabar impedindo qualquer fuga.
- Obrigada por me conceder a chance de vingança com esses malditos mortais! – disse Risisttlaxy que descia dos céus pegando fogo como um meteoro, mas ao se aproximar do solo diminuiu a velocidade e desfez as brasas, se revelando novamente na forma de uma elfa alta e belíssima. Chegava a ser irônico um ser tão belo ser uma arma de destruição em massa, pensei na hora com receio e um pouco de medo dela.
- Errr... Heh! Não foi nada! – Antony assustado disse forçando um sorriso. Graças aos deuses a dragoa não havia usado todo aquele poder conosco.
Dranarios desceu dos céus rugindo feliz. Ao aterrissar, seguiu em sua forma de dragão até sua mãe e se esfregou nela, devo salientar uma coisa para que entendam melhor. Em eras imemoriáveis, aonde nem elfos ou humanos andavam pelo mundo, os dragões eram os monstros mais inteligentes de todos, assim como hoje em dia, mas não sabiam falar nossa língua, ainda que tivessem desenvolvido sua própria, o draconiano. Quando veio o fim da Era de Megalokk, eles foram obrigados a se adaptar aos mortais frágeis que chegavam, pois suas aparências e brutalidades eram tão superiores que seriam capazes de matar um ser humano com a simples presença. Assim adquiriram o poder de alterar a própria forma para uma versão humanóide, sendo a forma élfica a preferida, mas isso leva muito treino, e Dranarios ainda não teria esse poder por ser muito jovem e ter desenvolvido pouco.
- Bom, acho que podemos descansar um pouco agora, não? – disse Antony se espreguiçando e deitando em meio aos destroços de uma torre.
Assim, aproveitamos o restinho daquela noite, eu estava deitado próximo ao covil aonde Risisttlaxy vivia confinada há anos, olhando as estrelas que Tenebra nos abençoara. A família de dragões estava em outro canto descansando. Logo pequei no sono.
- MERRRSSSTTTTRRRREEEEEE!!!!!!!!!!!!!!!!!! – Um berro agudo e com uma palavra tão horrivelmente falada erroneamente me fez acorda de súbito.
Antony deu um pulo desembainhando o sabre mágico, e os dragões, de sobre salto, prepararam para cuspir chamas. Era a praga do goblin escravo Henk, ele estava no meio do pátio.
- Que foi imprestável??? – Antony perguntou tacando uma pedra nele.
- T-tem uns passarros enormes vindo parra cá! – o goblin respondeu.
- E o que eu tenho haver se umas galinhas gigantes estão... – Antony parou e lembrou sua situação – PELAS FLECHAS DOURADAS DE GLÓRIENN!!!!! CASSIIIILDA!
Em um pulo, Antony já estava em pé correndo em direção às escadas de uma das poucas torres de vigia que sobrara. Eu reparei que o céu, ainda estrelado, já possuía algumas nuvens e tomava um tom alaranjado. Segui o elfo com curiosidade, afinal é estranho acordar com um goblin falando de galinhas gigantes. Assim que subi as escadas da torre e cheguei às ameias da muralha onde o espadachim estava com os dragões, que voaram até ali, entendi tudo e acordei plenamente.
No horizonte, sobre as pradarias do reino de Sckharshantallas, erguia-se o imenso astro-rei de Azgher cerimoniando a alvorada de um novo dia, e havia pontos nele, como uma revoada de pássaros que migram e aparecem nessas horas, porém um olhar mais atento deu para perceber que eram uma espécie de ser de asas coriaceas, cauda reptilinea, tinham a cabeça com chifres e estavam montados por homens de armaduras. Antony ajeitou o chapéu emplumado, e disse:
- Heh! Acho que vieram nos trazer o café da manha!
Infelizmente não senti que era hora para rir, afinal entendi quem eram de supetão.
- Errr... Senhor Willians, espero que esteja preparado, pois esses aí não são os soldados montados em pseudo-dragões da corte de Logus... São os lendários abatedores de dragões da elite do regente, a Cavalaria Aérea Wyvern!
Dranarios, que provavelmente já tinha ouvido sobre eles, arregalou os olhos répteis com a menção desse título. Estávamos REALMENTE encrencados!
---CONTINUA APÓS COMENTÁRIOS---
O tempo de espera valeu muito a pena, parabéns.
ResponderExcluirMuito show a história
ResponderExcluirFaltou so o arquivo pra down,
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